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JOSÉ ANTÔNIO RODRIGUES

I. Sobre o autor

José Antonio Rodrigues, é um carioca de 41 anos, formado em História e Turismo, escritor com 3 livros publicados pela Litteris: "Coisas da Vida", "Um logo e Tortuoso Caminho" e "A Vasa do Destino". Contato do autor: jantoniorodrigues@uol.com.br


II. Suas Obras


Continue Andando


Érika caminhava lentamente pelo calçadão de Copacabana, calçadão este com seus desenhos feitos com pedras portuguesas que formam as ondas do mar da praia mais famosa do mundo. No seu walkman, ouvia em uma rádio FM uma linda música de Dione Warwick – Walk on By. “Se você me ver andando pela rua e eu começar a chorar, dê um tempo para mim, me deixe e continue a andar, pode acreditar será melhor para mim, acredite, não pare.” Érika não conhecia o autor da música mas teve a certeza de que ela, a música, pelo menos naquele momento, havia sido feita exclusivamente para ela, música é coisa que não envelhece... E continuando a caminhar naquela linda manhã ensolarada de segunda feira, tendo ao seu redor o mar e seus surfistas, o Cristo Redentor e o trafego intenso da Av. Atlântica. Observou as mães e seus bebês e tentou imaginar o que aquelas mães esperavam de seus filhos e principalmente de suas filhas, lindas com pequenos laços cor de rosa na cabeça, vestidinhos bordados e pequenos biquínis. Algumas faziam

castelinhos na areia enquanto suas mães sonhavam e planejavam seus futuros. Aquele era o momento do sonhar, e a elas só restava o sonho, mesmo que elas não queiram, a partir de um certo momento, aquelas meninas seriam donas de suas vidas e nem sempre o que se sonhou se torna realidade, e foi justamente isto o que aconteceu com Érika. A roupa de bailarina, os ensaios no Municipal, o Colégio Santo Ignácio e as notas azuis, eram coisas que orgulhavam seus pais. Atravessar a ponte, Búzios no verão, a Rua das Pedras, a adolescência e Thiago. Seu amor por Thiago não foi suficientemente forte para faze-la resistir. Por quê? Mesmo depois de ter-lhe dado sua virgindade, mesmo depois de ter recebido dele tanto amor. Thiago se foi, seguiu, não parou... Santo Ignácio, Santa Úrsula, os santos o acompanhavam e a esqueceram, esqueceram dela no dia que fora apresentada a um cigarro fedorento mas que a fez viajar por locais que Thiago não caminhava. Os passeios à Ilha Fiscal, ao Jardim Botânico e os shows no Pão de Açúcar, foram trocados por noites frias em boates tristes.

Como aquele homem a amou, lutou contra tudo e contra todos, gastou muito do seu suado dinheiro pagando suas dívidas em bocas de fumo na Rocinha, Chapéu Mangueira,etc...

Ela rezava todos os dias, se é que ela tinha o direito de se dirigir à Deus, para que nunca mais o encontrasse , já causara tanto mal a tantas pessoas e ele precisava mais do que ninguém de um pouco de paz.

Sentou-se ao lado da estátua de Drummond - “No meio do caminho tinha uma pedra...”, e era uma pedra branca, pequena, cara, que quando queimada soltava um perfume que a acalmava tanto, que lhe trazia tanta paz...

Érika conheceu Thiago aos 16 anos, ele era mais velho e tinha 21. Ele a fez ver o mundo de uma forma diferente, sonhava em ser arquiteto, ele não teve em seu caminho, nem pedra e nem pó branco e, com certeza, seria arquiteto. Visitavam a Av. Rio Branco aos domingos a pé. Caminhando ele explicava com tanto carinho a diversidade de construções e estilos arquitetônicos contidos naquela avenida. A Igreja da Candelária, erguida por um casal que se salvou de um naufrágio, os prédios super modernos como RB1, o edifício do comércio e é claro, os prédios clássicos como o Museu Nacional de Belas Artes, a Biblioteca Nacional e o Teatro Municipal, pura influência francesa do início do século XX. Contou-lhe quem fora Pereira Passos e com ele viu fotos do já inexistente Morro do Castelo e o seu fim, se transformando no Aterro do Flamengo.

O morro também foi seu fim, e a mesma terra e o mesmo pó que outrora serviu para aterrar um mar cheio de vida, abrindo caminho para o novo, no seu caso serviu para jogar terra e cal sobre sua sepultura, matando um mar vivo de sonhos e de futuras realizações. A bailarina do Municipal dançou em boates como o Frank`s bar, Cicciolina e Help.

Thiago assistia a tudo e, como alguém que nunca desiste, lutou, e lutou muito até o limite de suas forças, mas tudo tem o seu fim, até os mais corajosos e bravos guerreiros sabem a hora de parar, e ele soube. Cazuza já dizia - “É um desperdício comum dois viver vida de um”... Em um domingo á tarde ele a levou até a pedra do Arpoador e lá lhe deu dois presentes, sendo que ela só poderia escolher um. Em uma caixa havia um par de alianças e na outra caixa 10 gramas de cocaína. Era um fim de tarde, o sol estava se pondo, o dia dava vez à noite e à escuridão e ela optou pela escuridão, pela cocaína. Thiago saiu lentamente com lágrimas nos olhos, levaria muito tempo para ele se recuperar, ela era tudo para ele, coisas do coração, algo que não se pode explicar. “Tem certos caminhos na vida que entramos sozinhos e deles também devemos sair sozinhos, eu e você estamos em uma encruzilhada e cada um deve seguir seu destino, podemos ficar parados aqui algum tempo, mas não a vida toda; e hoje chegou a hora, vou tomar o caminho da direita e estarei lhe esperando, acredite e não tenha vergonha de voltar correndo, mas não te esqueça que a vida vai nos colocar, mais cedo ou mais tarde, de novo em uma outra encruzilhada e teremos que fazer novas escolhas e aí sim , talvez, não dê mais para voltar atrás”, foi o que ele disse ao partir. Ele a deixou para trás, continuou andando, não parou...

Ela entendeu seu recado, sabia que para ela a encruzilhada poderia ser a morte e para ele um novo amor. E a morte lhe sorriu, quando acordou em uma clínica em Botafogo, o “amigo” que a levou não voltou para buscá-la, ela teve que sair sozinha e sozinha, a partir daquele dia, começou a trilhar o caminho de volta. Só que sem pressa, um passo depois do outro, um dia de cada vez.

Quem falou que as mães param de sonhar estava mentindo, lá estava ela, sua mãe, seu pai, leite quente, comida fresca, cama limpa e confortável, carinhos nas noites chuvosas, solitárias e cheias de lágrimas. Não tinha certeza se já estava no mesmo ponto, no mesmo momento da Pedra do Arpoador, mas estava tentando tomar o caminho da direita. Thiago não podia ter chegado à sua nova encruzilhada. Era egoísmo, era. Mas ela era mulher e as mulheres têm este direito ainda mais quando estão apaixonadas.

Tinha o costume de voltar a Pedra do Arpoador pelo menos uma vez por mês, aquilo fazia parte de sua terapia pessoal, com seu walkman ouvia músicas: “Do momento em que acordo, e depois que me maquio , eu faço uma prece para você...”, era outra vez Dionne Warwick... Em uma destas tardes uma sombra se aproximou, sentou ao seu lado, ela de olhos fechados sentiu seu cheiro e não quis abri-lo, alguém segurou em suas mãos e colocou nelas duas caixas e nada falou, ela então abriu os olhos viu aquele mesmo sorriso meigo, aqueles mesmos olhos brilhantes que com um gesto silencioso pediu que ela escolhesse uma entre aquelas duas novas caixas, ela hesitou e ficou durante muito tempo olhando para ele. Abriu a primeira e era aquele pó branco, abriu a segunda e viu as mesmas duas alianças do passado. O pó colocado de lado se desfez com a brisa do mar e carinhosamente ela colocou o anel no dedo de Thiago, que acreditara em sua recuperação quando nem mesmo ela acreditava, ele repetiu o mesmo gesto . Olharam para o Cristo que de braços abertos a todos abençoava e a tudo perdoava, olharam para o lado e sentiram aquele cheiro forte, um casal se beijava e se drogava. “Fique calma, todo mundo tem o seu tempo de despertar, e isto vai acontecer, mais cedo ou mais tarde, queiram ou não queiram”. E seguiram de mãos dadas tendo a certeza que o tempo da tristeza tinha acabado e um novo futuro se descortinava para eles.